sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Poeta

Tem o sol nos olhos
As nuvens nas mãos
E a Terra a seus pés

Danielle Santiago

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Havia uma pedra la no teto
Lá no teto havia uma pedra
Não era pedra
Era aerolito

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Sete de agosto


            Era dia de festa na casa de Beatriz, era dia de banquete, todas as alegrias ali expostas na mesa, os presentes expostos na cama, no quarto de menina de doze anos . Quarto simples, colcha rosa na cama de ferro também rosa, guarda-roupa que foi da irmã mais velha, essa que Beatriz nunca conheceu e jamais conheceria.
         A casa, estava repleta de gente, de brigadeiros e balões. Beatriz estava a completar 12 anos de vida, doze anos de socorro, de substituição, talvez. Era muito difícil pra ela, menina flor, chegando à puberdade, pensar sobre o seu nascimento.        Haviam 03 meninas de sua idade que eram amigas da escola, havia o pai, a mãe, avós, tios e primos que eram mais velhos que a mocinha aniversariante,caçulinha da família.
          As janelas da casa eram pequenas e baixas e davam para a horta, uma altura menor de um metro, talvez por isso seus pais há treze anos passados escolheram essa casa para morar. Talvez as janelas baixas garantissem a vida do filho que iria alegrar a vida daquele casal que não sabia o que fazer com o que restou. E num coito programado, entre lágrimas, consultas médicas e espera do dia fértil da mulher moribunda e magra, deu-se a concepção de Beatriz, deu-se a procura de outro lugar para morar, que não fosse um apartamento como o anterior, que não fosse no 13ª andar, que não fosse na capital de cimento, transito insone, e corpo de moça rasgado no chão.
         Era cidade do interior, era dia de festa, porque havia naquela casa ar pulsante de moça viva e rubra .
         Tia baixinha sempre que bebia se afastava de todo bom senso que lhe era comum cotidianamente, e falava que nunca iria se esquecer do dia 07 de agosto, e divagava sobre o sete, o número cabalístico, sobre agosto, o mês que os ventos levam moças de apartamentos altos para um vôo direcionado ao asfalto quente do bairro de botafogo.
         A mãe, senhora de 54 anos, fracionada pela vida, pela perda, não suportava ouvir aquilo de tia baixinha, porque ela ainda estava com o seu próprio tumulo em aberto, bastava um respirar mais profundo,uma lágrima, bastava a lembrança da filha suicida pra que ela também desistisse de estar ali, de tomar seus antidepressivos e se entregasse nos braços da mesma sombra negra que um dia buscou a sua moça mais velha.
         -Vamos cantar Parabéns!!!!!!!!! Bia,vem cantar os parabéns!!!- gritava a mãe assim procurando fazer com que tia baixinha parasse de falar no que ela, por sua vez, jamais conseguira parar de pensar. Assunto encerrado. Tia baixinha tomava mais uma taça de vinho e juntou-se ao coro dos contentes. Menina flor se localizou no centro da roda, atrás do bolo, pai de um lado, mãe de outro e o  espectro da filha moça ali, sempre presente nos olhos e no fogo da vela, que só sopro de menina iria apagar. Era estranho pensar que ao fazer os desejos e assoprar a vela o fogo se acabasse, não deveria ser o contrário?  Ela tinha 18 anos, não seria ali o nascimento das chamas? Não era a hora das cores reluzirem? Não pra ela...E num assoprar de desespero, de alma amarelada, e mucosa, ainda que jovem, a moça mais velha apagou a sua vela, era ali dia de seu aniversário de morte, e nascimento da vontade de ter mais um filho, pois era preciso preencher o espaço, era preciso preencher o ventre novamente para não enlouquecer.  Mas isso Beatriz  só iria pensar futuramente , quando alguém , que não fosse tia baixinha em seus momentos etílicos e desagradáveis ,pudesse recontar à menina a história da irmã que ela jamais conhecera.
Cantou-se o parabéns contra a vontade da menina , uma duas, três, quatro , cinco , seis vezes .
 Dezoito anos fez Beatriz. Dezoito. Dezoito. Dezoito, repetia a mãe já sexagenária.
Beatriz era moça, não era mais menina flor, era calada , como sempre fora, diferente da irmã que se conservou moça pra sempre. Beatriz  era diferente das outras jovens da sua idade. Quase não saia, falava pouco com todos, só respondia o que lhe era perguntado. Em casa quase não dirigia nem o olhar aos seus velhos pais,  lia muito, passava os dias entre a graduação e o seu quarto. Era apática, cinza, parecia às vezes não existir. Uma moça sem impulsos de vida. Não gostava de viajar, nem de sair, de conversar, de comprar roupas, de sair para jantar com a família, nem com ninguém..
Beatriz doía tanto em sua mãe,  em para a morte.nda , moça triste parece ni pode se jogar da janela de sair para jantar com a famira parar de pensar.ara nua moque jamais pôde entender como a sua  primeira moça tão feliz, tão alegre, com toda a cor da juventude em si ,pôde se jogar da janela, enquanto a segunda, menina triste, parece não ter vocação nem para a morte.
Beatriz era vulto, era silencio, era alva e magra. Beatriz era quarto trancado.
Dezoito anos , dezoito anos, dezoito anos,dezoito anos, repetia a mãe em agosto, sete.
Com os olhos de quem parece sempre esperar o inesperado, e as mãos de pele de pergaminho, bateu na porta do quarto de Beatriz. Beatriz era quarto trancado.
Destrancou a porta sem um sorriso ou um olhar acolhedor e esperou que a mãe dissesse algo.
A mãe, chorando, tentou abraçá-la, mas num ímpeto de desespero a sacudiu como se pudesse mudar alguma coisa dentro da filha mais nova, a sacudia como se algo ali pudesse  entrar em órbita . Num movimento rápido num misto de asco e medo, Beatriz gritou para que a mãe parasse. Sim, ela parou e olhou dentro dos olhos da moça viva e a pediu para dizer algo. Para lhe dar as mãos. Nada foi dito, nenhum toque dado. Quarto trancado. Beatriz era a flor da morte que germinara do desespero de seus pais.
Sete.Agosto. Ventava. Esse vento de agosto que traz saudade ou a leva embora, que bagunça o cabelo das moças vivas e o sujam de sangue, que penetra no pulmão estourado pela violenta queda, vento de agosto misturado a sangue, à culpa , ao inesperado. Vento de agosto que fez moça querer voar , ser livre, vento de agosto que desfaz as pétalas das margaridas em cima da lápide de moça que nunca mais iria viver.
Era agosto ainda, não era dia 07, mas só no calendário, porque para a mãe todos os dias eram sete de agosto, independente de quantas manhãs e noites e madrugadas e comprimidos ela tomasse.  Tomava as manhãs, tomava as tardes, tomava as noites da mesma forma que tomava seus remédios ,  estes que agora compunham um enorme grupo para sobreviver a estes agostos perenes : Ansiolíticos, antidepressivos, e agora comprimidos para a pressão, que estava alta.
Quarto trancado . e agora o marido também morrera. Cirrose. Não sofreram porque este também não existia mais, pouco ficava em casa, sua vida era se embriagar de manhã à noite. A esposa não o recriminava , era a forma dele sobreviver, dele suportar. Ela sabia que era a maneira do velho beber os dias, assim como ela fazia. Era preciso matar esses agostos.
         Duas. Velha. Mulher. Pontos finais. Nada de novo nas mãos além de rugas em ambas, tudo o que restara era poeira de morte.Como limpar um móvel e no dia seguinte lá está ele novamente empoeirado , e novamente ele é limpo, repetidamente, dia após dia, dezembro, março , setembro, janeiro.
         Beatriz já havia se formado, e agora trabalhava. Mulher feita , era como se a moça morta fosse a caçula agora.  Mulher. Idosa. Quarto trancado. Novela na tv da sala. Café. Solidão. 26. 68. Roda morta e silêncio.
A mãe decidiu ir embora, ser velha com tia baixinha que ainda tomava um vinho e achava o mundo  de uma cor bonina, como o lápis de cor e seus vinhos baratos.
Voltou ao Rio, eram velhas que ainda queriam sorrir, diferente de Beatriz que ficou no interior, na casa de janelas baixas, que nunca, nunca garantiram a vida da menina flor. 

 Priscila Weber Jaffar